1ª parte / 2ª parte
José Carlos Marques
PORTA33 — 10.11.2019

‘De volta às raízes. Funchal, cidade agropolitana’

Conferência de José Carlos Marques
(Diretor do Departamento de Ciência e Recursos Naturais da Câmara Municipal do Funchal)

Da terra para cima.
Afiando o lápis. Desenhar o futuro a partir do passado

Texto de Susana de Figueiredo

Há muito que José Carlos Marques vem debruçando o olhar sobre o território, mas este não é um vulgo olhar. É com outros olhos e outra pele que o investigador indaga o Atlas da Cidade de Paulo David, em exposição na Porta 33, percorrendo-o de dentro da terra até ao cimo. Ao cimo de tudo. Depois de João Baptista (engenheiro geológico) e Cristina Pereira (arquiteta), José Carlos Marques é o próximo orador a entrar por esta Porta, para aprofundar uma narrativa que vem sendo edificada, desde que abriu ao público a mostra ‘Da continuidade das formas e do modo como pousam’, projeto que dá a conhecer a obra e o tempo do arquiteto madeirense Paulo David, a partir de diferentes perspetivas, sensibilidades e pensamentos, posicionando a nossa cidade na ponta do lápis inteiro que se afia ao desenho. Agendada para o dia 11 de maio, a conferência proferida por José Carlos Marques intitula-se ‘De volta às raízes. Funchal, cidade agropolitana * ’ e, segundo o próprio, dividir-se-á em dois momentos fundamentais: o primeiro inclinar-se-á sobre o entendimento do território “de baixo para cima, a partir do solo”, numa abordagem que procurará demonstrar “como todo o território se desenvolve a partir dos seus alicerces.”; e o segundo decorrerá em torno da reinterpretação da origem do termo ‘cidade’ (do latim ‘ civitas’ ), propondo-se “pensar a relação desta com o sistema alimentar.”, afirma José Carlos Marques, adiantando que “não se pode pensar a cidade do Funchal, que é uma cidade com características agropolitanas, sem se pensar, também, no território a montante, quer em termos de segurança contra as catástrofes naturais, quer em termos do espaço destinado à produção de alimentos.” Neste contexto, o investigador evoca “a muralha a montante procurada por Paulo David” e lembra que, na Região (não sendo esta caso isolado), a fronteira entre o campo e a cidade é muito ténue, condição que “está na origem dos acidentes de quinta geração”, verificados, precisamente, em zonas onde esta fronteira não se encontra bem definida. “Este mosaico da paisagem tem de ser resiliente.”, afirma, mostrando-se confiante num conjunto de tendências e soluções internacionais que podem fazer face ao fenómeno. José Carlos Marques acredita que é possível “projetar um futuro completamente diferente”, recorrendo aos meios e tecnologias, hoje, disponíveis.

Olhar para o fundo

“A minha perspetiva relativamente ao território e à sua fragilidade é uma perspetiva agroecologista. Eu olho para baixo, para o solo; não olho para cima, e isso muda tudo. Há um autor que afirma que os primeiros dez centímetros de solo estão para o planeta como a pele está para o organismo. A forma como são congregadas as suas funções marca a diferença entre desgraça e prosperidade. É importante termos a noção de que todas as civilizações colapsaram quando trataram mal o solo, impedindo que este cumprisse as suas funções.”
Deixando claro que não existem verdades absolutas, mas sim “um caminho que está a ser percorrido”, José Carlos Marques considera que um retorno às raízes é fundamental, se quisermos entender a Natureza em toda a sua abrangência e complexidade. Ressalva, contudo, que não se trata de replicar os hábitos dos nossos antepassados, mas de reinterpretá-los. “O meu objetivo é fazer com que as pessoas percebam aquilo que se fazia num passado mais longínquo e aquilo que se fez nos últimos cinquenta anos. Trata-se de retomar a História com uma nova perspetiva. E se não formos capazes de olhar para trás e perceber como tudo isto funcionava, corremos inúmeros riscos.”

A Porta: um tempo e um espaço para “criar pontes”. Em liberdade

Poder trazer um tema como este à Porta 33 tem, para o investigador, um significado eminentemente simbólico cujas consequências e derivações merecem ser evidenciadas. “É uma iniciativa brilhante, em várias perspetivas. Um espaço cultural é um espaço mais livre, menos intimidatório, onde as pessoas se sentem impelidas a interagir. Estes dramas dos incêndios e das aluviões acontecem porque nós, investigadores, técnicos, governantes, não temos tempo pensar no dia-a-dia, e acabamos por andar a reboque dos acontecimentos, temos ações mais reativas do que proativas. Então, é bom encontrarmos aqui, na Porta 33, um grupo de pessoas que estão disponíveis para refletir, de uma forma livre e desprendida. Pessoas que aqui vêm mais para criar pontes do que para combater. Este espírito é muito importante, e não há dúvida de que estas pontes estão, de facto, a ser criadas.”

 

Sobre José Carlos Marques
Nasceu na Areia Branca, concelho da Lourinhã, em 1967, onde residiu e trabalhou em várias experiências de produção agrícola até 1993. Engenheiro Técnico Agrário, pela Escola Superior Agrária de Santarém, em 1993. Licenciado em Ciências Agrárias pela Escola Superior Agrária de Santarém do Instituto Politécnico de Santarém, em 2012.
Desde 1993, liderou a implementação e desenvolvimento da Agricultura Biológica na Região Autónoma da Madeira. Exerceu funções na carreira técnica do Parque Natural da Madeira (1993/2000), instituição onde concretizou diversas iniciativas de divulgação/formação e apoio técnico à Agricultura Biológica. Colaborou no levantamento botânico da Floresta Laurissilva, trabalho de base para candidatura da Laurissilva a património Mundial (1993-1995)
Coautor do livro: Uma Avaliação Qualitativa e Quantitativa, edição do Parque Natural da Madeira. (C/H. Costa Neves, Virgínia Valente, Bernardo Faria, Isamberto Silva, Paulo Oliveira, Nuno Gouveia e Paulo Silva). Secretaria Regional de agricultura florestas e pescas. (1995).
Foi nomeado em 2001, pelo Secretário Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais da Região Autónoma da Madeira, encarregado de Missão para o Desenvolvimento da Agricultura Biológica, cargo que desempenhou até 2005. Foi cofundador da revista nacional “Segredo da Terra” e desempenhou funções de redator no período de 2002 a 2015. Exerceu funções de Diretor de Serviços de Desenvolvimento da Agricultura Biológica na Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural durante o período de 2005-1015. Ao longo da sua vida profissional tem proferido inúmeras conferências em escolas, congressos, seminários, jornadas técnicas.
Coautor do livro “As Bases da Agricultura Biológica Tome I – Produção Vegetal”, (C/Jorge Ferreira, António Strecht, Laura Torres, Fernando Serrador, António Marreiros, Margarida Silva, Ana Cristina Cunha Queda, Ernesto Vasconcelos, J. Raul Rodrigues, José Carlos Franco; Florentino Valente, Maria Mendes Fernandes; Ana Teresa Ferreira, Fernanda Cabral), 2ª Edição 2012. Responsável pelo Capítulo 3.21, Gestão das ervas em agricultura biológica. Capítulo 1.9, Custos de produção e sustentabilidade económica da agricultura biológica. Atualização e revisão.
Regente das cadeiras de sistemas agrícolas e proteção fitossanitária em agricultura biológica, no CET e CTeSP em agricultura biológica da Universidade da Madeira até 2017.
Participou em vários congressos internacionais da IFOAM (Federação Internacional de Agricultura Biológica). 16ª Conferência Científica Internacional da IFOAM, Modena, Itália. 15.ª Conferência Científica Internacional da IFOAM, Adelaide, Australia. Organic viticulture and Wine Conference 8th da IFOAM, Adelaide, Australia. 13Th International IFOAM Scientific Conference em Basileia – Suíça.
Delineou e coordenou a estratégia para o desenvolvimento, promoção e comunicação da agricultura e pecuária biológicas na Madeira até 2015. Responsável pela coordenação da assessoria técnica a todos os intervenientes do setor da agricultura biológica, Secretaria da Educação, Universidade da Madeira, Empresas de preparação/transformação, Hotelaria e Restauração, Juntas de Freguesia, Associações de consumidores e RTP-Madeira, no período 2005-2015.