DIANGO HERNÁNDEZ E NUNO FARIA
PORTA33 — 06.06.2013 — 28.09.2013
imagem arquivo

A IMPORTÂNCIA DA LINHA | THE IMPORTANCE OF THE LINE

Exposição de Diango Hernández
Curadoria de Nuno Faria

Inauguração: Quarta-Feira, 12 de Junho, 18 h
Seguida de conversa com Diango Hernández e Nuno Faria

O projecto que Diango Hernández preparou para a Porta 33 tem a particularidade de não ser propriamente uma exposição, mas a articulação de um conjunto de fragmentos que foram o ponto de partida para um processo de construção de um workshop que estava originalmente previsto acontecer em 2010, mas que por contingências várias só agora aconteceu, com meios e escala mais reduzidos que o previsto.

Estes fragmentos são desenhos recontextualizados, remontados, reactivados, cuja convivência no mesmo espaço tem por objectivo espoletar um processo de reflexão e de experimentação em torno do desenho e, mais especificamente, da linha enquanto elemento constitutivo e mínimo denominador comum que permite o reconhecimento de qualquer desenho.

O workshop que teve lugar imediatamente antes da exposição, e que é parte integrante do processo de montagem desta, dividiu-se, grosso-modo, em três fases a que chamámos, respectivamente: diário, transferir e projectar. Em cada uma delas foram discutidas questões diferentes e propostos exercícios específicos.

"Diário" é um bloco dedicado ao desenho enquanto espaço da intimidade e do segredo, da constituição individual, em que as narrativas pessoais, o registo do quotidiano vão de par com o pequeno formato, a economia de meios, uma forma de linguagem não raras vezes encriptada, a urgência do relato ou do testemunho - aqui, a linha é informal, o conteúdo é tudo e o resto é simplesmente o resultado das circunstâncias em que o desenho é feito.

"Transferir" refere-se ao desafio de traduzir e de transformar a linha num objecto tridimensional. Carrega consigo um sentido de realização, de corporização, inerente ao desenho enquanto projecto. Um desenho é de todas as formas um objecto tridimensional tal como os pensamentos e as ideias o são. Neste exercício, trabalhou-se a importância de utilizar desenhos como referência para outros desenhos. A escala, os materiais, a dimensão do desenho foram aferidos pelo valor da história que se quer contar. Aqui, o lápis foi posto de lado.

"Projectar" refere-se ao exercício de construir pelo desenho o sistema que articula o espaço físico e codificado da instalação. Por concomitância, a folha de papel é o espaço e o espaço é a folha de papel. Aqui não se trata de um exercício de escala, mas da projecção de um espaço interior, dotar a linha de um poder que articula e quebra o mundo em dois hemisférios.

Mas porquê a linha? Porque uma linha pode ser entendida não somente como um elemento do desenho mas como algo que existe para além do desenho. Para o workshop, Diango Hernández partiu da tentativa de uma definição, em negativo e em positivo, do que será o desenho:
"Um desenho não pode ser um desenho se não conter uma linha;
Um desenho sem uma história na origem é talvez uma obra de arte mas não um desenho;
Uma obra sobre papel não é necessariamente um desenho;
Um desenho deve ser um plano, uma visão que dê corpo a alguma forma de futuro;
Um desenho é por natureza uma ferramenta;
Fazer um desenho é um acto de definição, conta um momento de mudança e de transformação; um pensamento transformado numa forma de linguagem muito simples; define duas áreas ou espaços; as linhas são limites, em mapas, na geopolítica: não nos esqueçamos de que os rios foram as primeiras fronteiras".

Na prática artística de Diango Hernández o desenho começou por ser uma forma de resistência e de sobrevivência mental, uma forma de recolha, de registo, de compreensão, percepção e de filtragem de um real em perda no período pós-revolucionário da sua Cuba natal, para se tornar numa forma de articulação e de projecção de conceitos e de ideias guiadas pela energia da utopia. As instalações de longo fôlego que vai construindo projecto após projecto propõem visões livres e rigorosas como só o desenho, liberto de uma função exclusiva e estreita de representação, pode criar.

É, como já referimos, da ordem do fragmento o proto-discurso em que se constitui esta instalação. São pontos de partida, propostas, proposições, começos de desenho, começos de narrativa que ali estão para serem recomeçados, completados, cumpridos. Como utopias verdadeiras.

A instalação desses fragmentos [de um discurso amoroso?] funcionam, assim, como enunciados, pistas para serem lidas e pegadas [a duas mãos?]. Constituem, no fundo, processos de tradução e de transmissão silenciosa, sem o recurso a palavras, no âmbito estrito da linguagem do desenho.

Vemos fotografias aéreas, recortes de desenhos, linhas traçadas sobre diferentes superfícies, emblemas, palavras, livros esventrados e abertos, páginas de cadernos de desenho de 1890 em que a linha desenha, hesitante, apreensiva, formas geométricas. Percebemos talvez, mesmo a esta distância, mesmo neste lugar, o drama que que jogava naquele momento, naquele lugar: tratava-se de executar um exercício mediado pela observação atenta e ameaçadora do professor, de uma autoridade. Contudo, aquilo que sobrevive como desenho, poderosamente, intensamente, claramente é a hesitação, a fragilidade do traço. A importância de uma linha...

Nuno Faria
Junho de 2013

Diango Hernández nasceu em 1970, em Sancti Spíritus, Cuba. Formou-se em Design Industrial na Instituto Superior de Design de Havana (ISDI). Após terminar os estudos, em 1994, criou o colectivo "Ordo Amoris Gabinete", inspirado nas palavras em latim para "ordem" e "amor". O trabalho de Diango Hernández foi apresentado na 51ª Bienal de Veneza (Arsenale, 2005), Bienal de São Paulo (2006), Bienal de Sydney (2006), Kunsthalle Basel (2006), Haus der Kunst em Munique (2010), Hayward Gallery em Londres (2010) e uma retrospectiva no MART-Museo di Arte Moderna e Contemporanea di Trento e Rovereto, Italia (2011). Diango Hernández vive e trabalha em Düsseldorf, Alemanha.
É representado pelas seguintes galerias: Alexander and Bonin, NY / Capitain Petzel, Berlin / Marlborough Contemporary, London

Nuno Faria nasceu em 1971 em Lisboa, formou-se em História da Arte pela Université Libre de Bruxelles. Foi professor do Curso Avançado de Fotografia do Ar.Co – Centro de Artes e Comunicação Visual e do Curso de Artes Visuais da Universidade de Faro. Escreveu na Revista História – Jornal de Letras, foi subdirector do Instituto de Arte Contemporânea, actual Instituto das Artes. Foi consultor e curador residente do Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. Viveu e trabalhou no Algarve entre 2007 e 2012 onde, entre outros projectos, fundou (em Loulé no ano de 2009) o projecto Mobilehome - escola de arte nómada, experimental e independente. Mais recentemente, foi o curador da exposição Para além da história (2012), que inaugurou o Centro Internacional das Artes José de Guimarães. Actualmente prepara para aquele Centro de Arte a exposição Lições da Escuridão (a inaugurar em Julho próximo).

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