DA CONTINUIDADE DAS FORMAS E DO MODO COMO POUSAM — ATLAS DA CIDADE
Encontro entre João Baptista e Paulo David
PORTA33 — 04.05.2019
De um novo pouso [profundo] sobre o Atlas da Cidade
Texto de Susana de Figueiredo
O Atlas da Cidade, paisagem que traça a têmpera do segundo momento da exposição de Paulo David ‘Da
continuidade das formas e do modo como pousam’, servirá de mote a um novo encontro na Porta 33, desta
feita entre a arquitetura e a engenharia, a ter lugar já no próximo sábado, pelas 18h30.
Frente a frente, estarão o arquiteto Paulo David e o engenheiro geológico João Baptista, numa conversa
debruçada sobre o desenho que escreve o dentro e o fora da capital madeirense, escrutinando-lhe a têmpera, a
história e as idiossincrasias mais profundas. Um diálogo que promete levar o público a deambular pela cidade
do Funchal, munindo-o de um olhar mais fundo e multidimensional, pousado sobre um território insular com
características únicas, que põem à prova o pensamento e a mão do arquiteto mais experiente.
A propósito da sua intervenção na Porta 33, João Baptista, amigo de longa data de Paulo David, com quem tem
colaborado em vários projetos, não hesita em afirmar que a arquitetura “é uma das artes maiores, porque
se trata da capacidade de um arquiteto, neste caso Paulo David, ler o território, interpretá-lo, enxergá-lo e,
depois, adaptá-lo ao seu conceito de design e funcionalidade.” O engenheiro e investigador, que conhece
como poucos o território da Região Autónoma da Madeira, faz, por isso, questão de sublinhar a importância de
uma galeria de arte abrir as portas a um projeto expositivo e interativo desta natureza, capaz de rasgar
horizontes e inaugurar sensibilidades e reflexões, nos mais diversos contextos. “Pela primeira vez,
faz-se, e muito bem, a abordagem da carreira de um arquiteto reconhecido, com créditos dados, a nível
regional, nacional e internacional, e que tem a humildade de expor a sua obra e partilhá-la perante um grande
público. Isto é como na literatura; a partir do momento em que se escreve um livro, expõe-se aquilo que se
sabe e o que não se sabe. Neste caso em particular, o Paulo David e a Porta 33 manifestam claramente este
espírito de humildade e partilha de saberes. Trata-se de um acontecimento único, até a nível nacional, creio
eu. Não é muito comum um arquiteto trabalhar com uma galeria de arte.”
João Baptista acredita no impacto positivo, propagador, e até simbólico, desta iniciativa, a qual, na sua
perspetiva, e olhando aos dois tempos em que se desenrola a exposição, já se transformou “num verdadeiro
fórum de cultura, de arquitetura e de engenharia”, consubstanciando-se num “conceito lúdico e
interdisciplinar, transversal a várias áreas do conhecimento e faixas etárias, o que, só por si, já é
louvável.”
Sobre a crispação que, por vezes, acomete a relação entre a arquitetura e a engenharia, o especialista não
nega a sua existência, mas afirma nunca ter experimentado tal ‘tensão’ nos projetos em que esteve
envolvido. Antes pelo contrário, explica. “Com o arquiteto Paulo David, e com outros arquitetos, tenho
tido sempre relações de simbiose, de parceria, em que cada um, dentro da sua área, acaba por perceber o que o
outro pretende. Cada vez menos temos de segmentar o conhecimento, porque não dominamos as linguagens todas.
Cada um vai juntando o seu conhecimento ao do outro, e forma-se, assim, um grande puzzle. Hoje em dia, não
resolvemos problemas, resolvemos desafios.” Ora, é sabido que a orografia que caracteriza a Região
Autónoma da Madeira, tão ardilosamente desenhada entre escarpas, vales, fajãs, serras e achadas, é responsável
por uma beleza ímpar cuja imponência é proporcional à densidade e complexidade dos inúmeros desafios por esta
impostos. Desafios estes que, ao longo da História, nunca facilitaram a tarefa de quem teve de ‘pôr as
mãos na terra’ - arquitetos e engenheiros incluídos, claro. Intervir no território, lendo e respeitando
o que lá está, exige dos intervenientes uma visão tão ‘simples’ quanto sofisticada, uma visão que
comunga de todos os sentidos, para que a construção o seja efetivamente. Intrinsecamente. Paulo David, à
semelhança de outros renomados arquitetos, tem assumido esta visão de respeito e limpidez, destacando-se como
um exímio intérprete de todos os elementos telúricos, paisagísticos, culturais e comportamentais que tecem o
nosso espaço insular. A sua postura, pensamento e ação face ao território acabam por, de certa forma, vincar
uma espécie de grito de sobrevivência na perigosa era que atravessamos. É neste contexto que João Baptista
lança uma reflexão: “estamos a viver uma nova era, que é a era do antropocentrismo. A influência que o
Homem tem tido na terra, após a Revolução Industrial, está a ameaçar a nossa existência. É importante lembrar
que as nossas maiores dádivas, nestas ilhas afortunadas da Macaronésia, nomeadamente no nosso arquipélago, são
a qualidade da água, a qualidade do ar, a qualidade do solo e dos nossos parâmetros climáticos. São estes o
nosso ouro, diamantes e petróleo, então, há que mantê-los. Quem me dera que tivéssemos mais reservas da
Biosfera.”, diz, reforçando a ideia com a alusão a uma passagem do Hino da Madeira: “(…) Herói do
trabalho na montanha agreste / Que se fez ao mar em vagas procelosas / Os louros da vitória, em tuas mãos
calosas / Foram a herança que a teus filhos deste.”
“Nós sempre fomos um povo de trabalho, e temos de manter o legado que nos deixaram os nossos
antepassados. Devemos questionar-nos sempre sobre o que recebemos e o que vamos deixar às gerações
vindouras.”, conclui.
Estas e tantas outras reflexões, que saem do Atlas da Cidade para se porem à flor da pele do público e à pele
do corpo todo da ilha, abrem, de novo, a Porta a um pouso profundo sobre as formas e o seu ininterrupto
fulgor.
Sobre João Baptista (biografia resumida)
Nascido a 30 de julho de 1968, na Freguesia de Santo António, Funchal, é licenciado em Engenharia Geológica e
doutorado em Geociências pela Universidade de Aveiro. Desde 2003, é Investigador Integrado da Unidade de
Investigação GeoBioTec, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Departamento de Geociências da Universidade de
Aveiro, e, desde 2007, colaborador investigador do Laboratório de Tecnologia Farmacêutica e do Medicamento da
Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.
Foi Fundador e Diretor da Madeira Rochas – Divulgações Científicas e Culturais e da EnGeoMad – Geoengenharia e
Consultadoria, em 1996 e 2000, respetivamente. Conta com cento e noventa e sete artigos científicos publicados
em revistas técnico-científicas e atas de congressos nacionais e internacionais, cinco livros
técnico-científicos, trinta e nove publicações didáticas e de divulgação científica e noventa e sete
projetos/estudos técnico-científicos realizados.
Orientou nove teses de mestrado e três teses de doutoramento, e foi coordenador de vários projetos de
investigação técnica e científica aplicada. É Consultor, assessor e perito nas áreas da geoengenharia e da
geomedicina de diversos organismos públicos e privados. Em 2013, criou a marca Terramiga – Produtos
Dermocosméticos e Dermoterapêuticos, sendo coordenador técnico e científico da equipa de trabalho desde
2009.
Foi autor e apresentador das séries televisivas de divulgação científica e cultural ‘O tempo escrito nas
rochas’ (2007) e ‘Pedras que Falam’ (2012), exibidas em vários canais da RTP.
Vários trabalhos técnicos, científicos e culturais desenvolvidos pelo autor foram reconhecidos e premiados em
diversas ocasiões.