Todos os lugares são no estrangeiro.
Herberto Helder

É árduo habitar Os Passos em Volta. Enunciada a fórmula apenas aparentemente simples de entrada na ficção helderiana – "Era uma vez um lugar", "Era uma vez um pintor" –, o leitor encontra "o meu inferno, o meu paraíso". Um cão, Deus, um peixe, um empregado de escritório, ratos, um marinheiro, um touro, putas, pássaros, um pequeno burguês, uma mulher, assassinos, um poeta ou um coração devorado frequentam bestialmente estes contos: são "uma trama de pontos onde se é humanamente visível". A experiência de leitura destes contos pede ao leitor que ceda a uma violenta força, centrípeta e antropófaga: "a lei da metamorfose". Ao criar a partir de Os Passos em Volta, Mariana Viana tocou o que "é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza": linha com linha, a do gesto de escrita e a do acto de desenhar, em intermutabilidade e discursos contíguos, esta exposição parece ter sido gerada a partir do efeito de "um pesadelo do desejo". E o "inferno começou a aumentar por dentro". Experiência, ciência e labor de tocar o "terrível hausto de vida" de "animais revulsivos", o trabalho de Mariana Viana dá visibilidade a um "imaginário da inverossimilhança", tão verosímil quanto a existência do coelacanto. Mariana Viana aprendeu com Herberto com Leonardo a ser "mortalmente paciente diante das cores" do texto: ébrio, obsessivo, circular. Ao leitor de Os Passos em Volta ensina-se que "Tudo é eternamente recomeçado. Não se sabe o que acharam. Acharam alguma coisa – os antigos, os modernos?".
É possível habitar Os Passos em Volta.
Ache-se como regressar um leitor-outro a outro "lugar, lugares", estrangeiros.

Diana Pimentel | 2017

Produzidos no âmbito de uma tese de doutoramento em Artes Visuais com o título Os Passos em Volta de Herberto Helder – A Ilustração enquanto Arte Onírica, os trabalhos incluídos nesta exposição integraram o Congresso Internacional Herberto Helder – a vida inteira para fundar um poema (organizado pelo UMa–CIERL, na Universidade da Madeira – Funchal, entre 21e 23 de Novembro de 2016).
[ * As citações entre aspas pertencem a vários contos de Os Passos em Volta. ]

Mariana Viana é doutorada (PhD) em Artes Visuais pela Universidade de Évora. Mestrado emIllustration as Visual Essay, na School of Visual Arts, em Nova Iorque. Designer gráfica em diferentes empresas, entre as quais, a PPS, Project for Public Spaces, em Nova Iorque. Em regime de freelancer actuou como designer e ilustradora para instituições como o Museu Nacional de Arte Antiga e a Fundação Calouste Gulbenkian. Actualmente é docente na ESE de Lisboa e Coordenadora da Pós-Graduação em Ilustração da UAL/ESTAL, em Lisboa. Dedica-se à ilustração e a outros projectos artísticos.

Organização conjunta: Porta33 e UMa-CIERL | Kinesis [ Estudos Herberto Helder ]