Miguel Ângelo Martins interessa-se particularmente pelo universo criativo dos livros de artista, o que resultou nas Raum Editions de que é membro cofundador.
Na sua instalação no Espaço 116 apresenta obras que se articulam com essa realidade, isto é, partindo de edições impressas vai expandir os respetivos conteúdos em peças de som e tridimensionais. I paint é uma peça sonora que declina o verbo pintar em espanhol e em inglês. À projeção mental da aridez do verbo declinado corresponde uma imaginada e repetitiva ação sem tempo, uma pintura em constante porvir. Já na peça 0.9 - 201 mm o autor dispõe no espaço de exposição uma série de oitenta e quatro pincéis de espessuras diferenciadas, complementando a intervenção com uma série de desenhos com uma risca preta que vai demarcando essas espessuras em crescendo, até atingir o negro total da superfície de papel. Aqui a pintura em porvir não é imaginada, é presença física em processo de auto-evidência. É uma pintura conceptual e processual, numa desarmante ancoragem em formalizações categoriais – os instrumentos e o resultado.
Na PORTA33 o artista trabalhou com os livros da biblioteca/livraria para construir uma eficaz e pungente homenagem aos organizadores da exposição: a partir da abertura na página trinta e três de uma série de livros aí presentes, constrói uma narrativa falsamente aleatória. Os textos e as imagens escolhidas criam uma meta-narrativa que se desdobra na plasticidade dos livros abertos em posições orgânicas de diferença e repetição. Trata-se, assim, de uma leitura induzida, de uma apropriação do mundo para ser devolvida em reconhecimento interpretado.

Miguel Von Hafe Pérez