1992 / 1993
PORTA33 — 10.12.1994 — 28.01.1995
Uma Quase Certeza Sensível
João Miguel Fernandes Jorge
Primeiro, é-nos dado o domínio de um olhar interior. Podemos entrevê-lo nas telas presentes, nas quais se
contemplam, sob uma rede de acumulações, estados de indeterminação e de deriva: um mundo de hesitações, de
dúvidas e de procura de soluções. Esta antevisão de interioridade, iluminada a golpes de cor, deixa elevar,
jorrando de si, para um plano de percepção, os mais secretos caminhos que percorre e que se vão subdividindo
em curtas e múltiplas etapas.
É nesta quase observável interioridade, neste mostrado mecanismo dum aparecimento rente aos fenómenos, quase
visceral, que reside a certeza sensível da obra de Palolo: estádios e redes e sucessivas camadas de colorações
que se deixam distinguir e que nos oferecem o que resta – a partilha de um mais vivo interior elevado sob os
traços e os sinais da diferença ou da indiferença? Entre um estado finito e uma perseverança que buscam a sua
energia num "ser" infinito e se orientam e se representam enquanto identidade presentificada. Neste fazer
derivado, em primeiro lugar, de uma interioridade que se deixa transluzir.
A riqueza cromática desta certeza sensível (que nos seus desenhos se vai identificando para além da contenção
de um ainda visível e declarado traço de lápis) segue modalidades de saber e apropria-se da singularidade de
visadas barras de cor. O singular adequa-se a um inicial múltiplo, marcadamente diverso; exclui (quase) o que
lhe é próprio, para nos iniciar de uma forma unitária e estimulante nas propriedades de uma clara
objectividade visual. Na certeza sensível de um estabelecido espaço que é, à vez, geometria, cor e tomado
órgão de apropriação: o perceber é a consciência mínima da sua forma e da sua modalidade.
Tudo se organiza como se no seu íntimo residissem coisas tão diversas, objectos tão carregados de drama como o
mumificado cadáver de um homem conservado no gelo ou a melancólica paisagem de um fim de dia holandês captado
pelos pincéis de Hobbema ou Ruydael.
São coisas de representação que chegam até nós carregados de descoberta, de resistência, de múltiplos géneros,
de coragem e de medida e de uma toda poderosa aparência. E o que é aparente cobre-se e rodeia-se de (uma)
natureza, de um caos e de uma oposta ordem plenas de ideia de "sublime" dinamicidade. O visível – a própria
geometrização e abstractização do visível - , traz sempre consigo (quer seja Barnett Newman, Ellsworth Kelly,
Matisse, Mondrian ou Léger), a devastação e a ameaça de uma forma à qual, por distinção, se pertence.
Também a mais iluminada geometria, a mais investida figura da linearidade se deixa reconstituir pela
configuração de um olhar e pelo enunciado cognitivo de um rosto; pela sua (própria) representação, pela sua
certeza sensível. É assim em Palolo: a arte vai sempre além da imaginada intensificação de uma crise. E
torcidos, distanciados. Mas elementos de uma subversão de planos, de intenções frásicas, de esquemas
comportamentais, de propósitos emotivos: tudo nesta pintura se inscreve na aparente categoria do erro – do
erro, da errância e dos seus domínios – formas, sempre, de uma certeza sensível. De uma certeza inumeradamente
superior.
Frank Stella, Donald Judd, Peter Halley, Flavin, Carl Andre, Noland: a representação leva-nos a um campo de
correlações íntimas, de aparência espontânea e de complexidade impulsiva. Também em Palolo esses dados estão
lançados e são indicadores de mudança e de domínio técnico: apreende-se e reflecte-se a diferença de um mundo
que é expresso na indiferença desse mesmo mundo. E tudo nos remete para uma exaltação do sensível e para a
definição de uma medida, escala, superfície, cruzar de universos de superfícies, composição, cor. Trata-se de
um artista que pertence à tribo errante dos maiores.
Ao olharmos estas telas e este conjunto de desenhos, estes "Sem título" que nos chegam datados de 1992 e de
1993, aproximamo-nos de uma "relativa" realidade que, como o demonstra Nelson Goodman, abrem a uma
"proliferação de mundos" e "não querem denotar coisa alguma". "Não figuram" a organização de um sistema global
assente na "verdade, toda a verdade, nada mais do que a verdade", isso que guarda consigo "uma regra perversa
e paralisante para um construtor do mundo" (Ways of Worldmaking, 1978).
Essa vastidão de banalidades – o que nos cerca – parece-nos ironicamente negada, na sua impossibilidade, por
essa múmia de homem conservada no gelo dos Alpes ou dos Himalaias. A qual parece olhar-nos do mais fundo
destas arquitectadas listas coloridas; e erguer um braço, atravessando milénios, carregada de ordem, repouso e
movimento; mas ela somente nos indica a correcção inovadora do seu contrário. Nada nos diz, de facto, a versão
correcta da sua (verdadeira) não figuração. Esse homem de gelo fala e um "surdo pode ver a palavra sobre os
seus lábios", como tão bem sublinha Gérard Genette com L'Oeuvre de l'art (1994).
Os escorridos de um intenso vermelho de um dos seus acrílicos sobre papel experimentam, eles próprios, o
aparecer de um fenómeno que significa cindir e tornar-se um outro na sua (própria) identidade. A história
desse desenho toma na sua imediatez de cor o encontro e a recondução com um "espírito", ao mesmo tempo finito
e infinito, diverso e indiferente. Experimentar é conduzir esta (quase) certeza sensível; conduzi-la a um
absoluto que, não deixando de ser um arqui-modo imperfeito, é a possibilidade de fundamentar uma determinação:
a do rigor da queda; a da invenção de um entendimento.
João Miguel fernandes Jorge, 2014
ANTÓNIO PALOLO
Évora 1946
Exposições Individuais:
1964 - Galeria 111, Lisboa
1969 - Galeria 111, Lisboa
1970 - Galeria Gávea, Açores
1971 - Galeria 111, Lisboa
1973 - Galeria 111, Lisboa
1979 - Galeria Diferença, Lisboa
1980 - Galeria CAPC, Coimbra
- Galeria Quadrum, Lisboa
1981 - Galeria Diferença, Lisboa
- Pinturas, Casa de Bocage, Setúbal
1983 - Centro Nacional de Cultura, Lisboa
- Galeria Altamira, Lisboa
- Galeria Quetzal, Funchal
- I Exposição Ibérica de Arte Moderna
- Galeria Quadrum
1985 - Galeria Altamira, Lisboa;
1986 - Galeria Quadrum, Lisboa,
- Galeria Jornal de Notícias, Porto
1987 - Galeria Altamira, Lisboa
1988 - Galeria Altamira, Lisboa
1991 - Galeria Valentim de Carvalho, Lisboa;
1992 - Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
- Galeria Évora Arte, Évora
1993 - Centro Cultural de Lagos, Lagos
- Galeria Valentim de Carvalho, Lisboa
1994 - Galeria Porta 33, Funchal
1964 - Salão Claro Escuro, S.N.B.A., Lisboa
1966 - Galeria 111, Lisboa
1967 - Exposição Itinerante, Madeira-Açores,
- 2ª Exposição de Arte Moderna do Funchal, Funchal
- Desenhos Contemporâneos, Galeria 111, Lisboa
- Artistas Contemporâneos, INEF, Lisboa
- Novas Iconologias, Galeria Buchholz, Lisboa
- Salão de Verão, S.N.B.A., Lisboa
- Últimas Revelações na Arte Portuguesa, Galeria Quadrum, Lisboa
1968 - O objecto, Galeria Quadrante, Lisboa
- Galeria Permanente, S.N.B.A., Lisboa
- Exposição de Arte Moderna, Museu José Malhoa, Caldas da Rainha
- Pintores Portugueses, Galeria Dinastia, Lisboa
- Exposição de Arte Portuguesa, F. C. Gulbenkian, Madrid, Paris, Bruxelas
1969 - Exposição de Artes Plásticas, Banco Português do Atlântico, Lisboa
- Salão de Verão, S.N.B.A., Lisboa
- 3º Salão de Artes Plásticas, Luanda, Angola (menção honrosa)
- Exposição Prémio Soquil, Galeria Buchholz, Lisboa (menção honrosa)
1970 - Galeria Ogiva, Óbidos
- Salão Mobil, S.N.B.A., Lisboa (menção honrosa)
1971 - Galeria Zen, Porto
- Five Artists at the Hudson River Museum, N. Y., USA
- Salão de Verão, S.N.B.A., Lisboa
1973 - Galeria Zen, Porto
- Pintura Portuguesa de Hoje, Barcelona, Salamanca
1975 - Gravura Portuguesa Contemporânea, Paris
1976 - Arte Portuguesa Contemporânea, Roma, Paris
1977 - Programa de Cultura Portuguesa, Madrid - Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna, Lisboa
- Palácio D. Manuel, Évora
1978 - Museu de Évora, Évora
- Galeria Nacional de Arte Moderna, Lisboa - 18x18 Nova Fotografia, Galeria Diferença, Lisboa
- Museu Nacional Soares dos Reis, Porto
- Arte Fiera 78, Galeria Quadrum, Bolonha, Itália
1979 - SACOM 2, Museu Vostell Malpartida, Cáceres, Espanha
- Colecção da Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa
- Galeria Nacional de Arte Moderna, Lisboa - Mostra de Vídeos, Festival de Jazz, Setúbal
- ARTA, Exposição inaugural, Lisboa
1980 - Panorama das Galerias II, Galeria Nacional de Arte Moderna, Lisboa
- Homenagem a José Conduto, Galeria Diferença, Lisboa
1981 - 25 Artistas Portugueses, Museu de Arte Moderna, S. Paulo, Brasil
- Portuguese Video Art, Corroboree Gallery, Iowa, USA
- Feira Internacional de Arte, Galeria Quadrum, Madrid, Espanha
- Pinturas, Palácio D. Manuel, Évora
1983 - Depois do Modernismo, S.N.B.A., Lisboa
- Centro de Arte Moderna da F.C.Gulbenkian, Exposição inaugural
- Goethe Institut, Lisboa - Onze Jovens Pintores Portugueses, Galeria Jornal de Notícias, Porto
- Atitudes Litorais, Faculdade de Letras, Lisboa
-Feira Internacional de Arte, Galeria Quadrum, Madrid, Espanha 84
- EIAM 84
1984 - Galeria Quadrum, CAM, F.C.Gulbenkian, Lisboa
1985 - Feira Internacional de Arte, Madrid
- Galeria de S. Bento, Lisboa
- AICA 86, S.N.B.A., Lisboa
1987 - Marca-Madeira 87, Funchal
1988 - Fórum de Arte Contemporânea, Lisboa
1994 - "Un Museo Portugués. Fundação de Serralves", Auditório da Galiza, Santiago de Compostela
- "Fragmentos de um Museu Imaginário", Fundação de Serralves, Porto
- 60, Anos de Ruptura, Palácio Galveias, Lisboa
- Colecção Manuel de Brito, Museu do Chiado, Lisboa
Instalações:
1979 - Crater-Calice
1980 - Mente
- Construção
1981 - Rear Vision
Filmes Experimentais:
1970 - Lines, S-8, 30m
1972 - 4 Elementos, S-8, 50m
1976 - Lights, S-8, 30m
1976 - Spacer, S-8, 30m
1977/78 - OM, S-8, 120m (subsidiado pela F.C. Gulbenkian)
Vídeos:
1977 - Akasha Escolar (performance), VT, 30m
1979 - Light Piece (performance), VT, 30m
1980 - Sinais (performance), U-Matic, 10m (cor)