Caligrafias Mestre Hogen San
Coordenação de Pedro Morais e Manuel Zimbro
PORTA33 — 27.09 — 15.10.1991
Caligrafias Mestre Hogen San
Coordenação Pedro Morais e Manuel Zimbro
ZEN
HSIN - HSIN - MING
(INSCRIÇÃO SOBRE O ESPÍRITO AUTÊNTICO)SENG-TS' AN
1 O Caminho Aberto não é difícil,
basta apenas nada escolher!
Se não houver nem ódio nem amor ele revelar-se-á com toda a claridade!
2 Um desvio da espessura dum cabelo,
e céu e terra ficam separados.
Para o encontrar
não sejam nem por nem contra nada!
3 No conflito entre o por e o contra, reside a doença do espírito!
Se desconhecerem o profundo significado das coisas,
inutilmente fatigar-se-ão a pacificar o espírito.
4 Perfeito como o vasto espaço,
nada falta ao Caminho, nada lhe fica de fora. Na verdade é porque escolhemos e repudiamos
que não somos livres.
Se o nosso espírito permanece sereno, o dualismo por si só desvanece-se.
6 Quando acaba o movimento, prevalece o repouso,
que por sua vez provocará ainda mais movimento
Ao ficarmos num ou noutro lado,
como podemos compreender Um?
7 Se não se compreender o Um original, movimento e repouso de nada servem.
Se seguirem os fenómenos, estes prendem-vos, se perseguirem a vacuidade, voltar-lhe-ão as costas.
8 Quanto mais falamos e mais especulamos, mais nos afastamos do Caminho.
Abandonem todo o discurso e reflexão
e não haverá um só lugar onde não possam livre- mente passar
9 Ao voltarem à raiz obterão o sentido correndo atrás das aparências, afastam-se do princípio.
Se num breve instante olharmos para dentro, ultrapassaremos a vacuidade das coisas.
10 Este mundo aparece-nos sujeito a transformações,
por causa dos nossos falsos pontos de vista.
Não é necessário procurarmos a verdade; basta pôr fim às opiniões
Este livro vem sublinhar a passagem pela Ilha da Madeira, em Novembro de 1991 de uma
personalidade eminentemente viva da Escola Soto do Zen do Japão:
HOGEN DAIDO ROSHI
Aqui reproduzimos uma caligrafia sua, feita durante o retiro de Outono de 1990 no
Algarve.
O mundo numa ilha
A Galeria Porta 33, que no Funchal (R. Quebra Costas 33 A) continua a exercer importante
acção de
divulgação da arte actual, através da mostra de artistas de importância nacional e
linguagem
internacional, faz até dia 15 (todos os dias úteis das 15h às 20h), como que uma paragem de
meditação...
"Zen", é o título da exposição de uma das mais particulares e simultaneamente universais
linguagens
de todos os tempos. Organizada por dois portugueses, Manuel Zimbro e Pedro Morais, para
quem o Zen
é um modo de entendimento do mundo e da vida, esta exposição apresenta caligrafias do
mestre
Hogen-San.
Não sendo uma exposição de "arte" no sentido ocidental e actual do termo, a montagem dos
elementos
que a constituem foi, no entanto, pensada de modo a valorizar um sentido absolutamente
contemporâneo, testemunho de um outra vertente da intercomunicação entre esta
filosofia
oriental e a arte ocidental. Ao invés de uma montagem documental ou etnográfica os
organizadores
adoptaram uma solução criativa, dispondo as molduras com os caracteres desenhados no chão,
em duas
filas muito próximas, formando uma diagonal relativamente ao rectângulo da galeria. Em cada
parede
fronteira a tradução é gravada em letra de imprensa em placas de metal, formando assim
mais duas
filas. O resultado final aproxima-se nitidamente de uma solução conceptual. A velocidade
da
caligrafia desenhada com o pincel sobre o papel de arroz deriva da mão do mestre Zen-ele
como que
recita uma oração ao executar essa tarefa de concentração e liberdade. Se a imagem dos
segmentos
negros, da sua articulação, elegante e mágica, pode conter em si um
potencial de beleza próprio, a sua tradução (apresentada na frieza mecânica do alfabeto
latino)
acrescenta-nos um imenso valor poético verbal: "sutra do coração"; "não-mental";
"aqui/agora";
"silencioso trovão"; "absolutamente nada"; "uma respiração" ou "lugar de silêncio"; "só
isto";
"montanha de flores"; "vacuidade"; "energia profunda"; "poema alfabeto". Exercício de
meditação e
controlo, cada uma destas expressões adquire o valor de um pensamento, de um poema, de um
modo de
entender o mundo, como unidade dos contrários, de equilíbrio e energia que os poemas haiku
tão bem
desenvolvem.
Hogen-san, mestre da escola Soto do Budismo Zen do Japão veio este ano, pela quinta vez,
visitar
Portugal e dirigir sessões de Sesshins (retiros de meditação) - experiências de difícil
tradução. E ele mesmo que nos fala dessa necessidade de viver a totalidade sem a pensar, sem
a
submeter a uma análise racional: "jejum de pensamentos, jejum de palavras, jejum de lógica
e jejum
de trabalho mental. (...). O silêncio é calmo e livre, sem intenção nem expectativa."
João Pinharanda, Público, 1991