ARTICULAÇÃO E PELE
Desenhos e Pinturas
ARTICULAÇÃO E PELE
Desenhos e Pinturas
O trabalho que agora se apresenta é o resultado de um projecto proposto pela PORTA33, que consistiu na relação directa e local do artista com o ambiente do arquipélago: Ilha da Madeira e Ilha do Porto Santo.
O trabalho foi elaborado a partir de desenhos feitos in loco e outro tipo de documentação colectada pelo artista durante uma estadia nos meses de Junho e Julho do corrente ano (2000) proporcionada pela PORTA33.
Parte do trabalho, nomeadamente a DESENHO E pintura, é produto de uma reelaboração no atelier do artista em Lisboa, durante os meses seguintes.
O conjunto dos trabalhos, directamente executados no local e os posteriormente elaborados, constituem a exposição que agora se apresenta ao público e que reúne cento e setenta e oito trabalhos: vinte e uma DESENHO E pinturas a óleo; cento e doze desenhos a carvão, sangue de drago, grafite e pena; e quarenta e cinco aguarelas.
A galeria PORTA33 dá assim continuidade, no âmbito do seu programa de exposições, à apresentação de trabalhos que são o resultado de uma experiência e vivência directas por parte dos artistas, da realidade insular.
Entrevista a João Queiroz por Doris von Drathen
Kunstforum bd 151, Julho-Setembro 2000
D. — Observar significa para ti observar a natureza?
J.— Sim, e isso significa o mesmo que “paisagem”. Temos ainda de clarificar o conceito de paisagem. Eu utilizo o conceito e submeto-me simultaneamente aos traços de percepção que lhe estão subjacentes. Mas agora gostaria de tornar mais clara a gestualidade do corpo. Estou no meio da natureza com o lápis, oiço e vejo o vento nas árvores e penso ao mesmo tempo em que movimentos vou fazer no papel para transpor para aí os movimentos da natureza. Mais tarde, no atelier, trabalho a partir desses movimentos corpóreos até à aplicação do pincel. A vivência da natureza tornou-se então secundária. Ou, digamos, está incorporada. Vejo portanto a “paisagem” com o corpo, não apenas com os olhos e o intelecto; o meu corpo traduz a luz, a proporção de árvores e rochas, o traçado de um caminho, o solo, o céu, água que corre ou pedra maciça, em gesto, cada elemento tem a sua própria linguagem corporal no papel ou na tela. Há umas semanas dei a uma exposição de desenhos o título de “O écran no peito”. A minha memória da paisagem não é figurativa mas tudo o que o meu corpo sente perante a paisagem traduz em gestos.
D. — Temos agora de passar para as mãos para compreendermos os pontos de contacto que constituem o teu conceito de natureza transposta.
J. — O conceito de natureza não significa mais do que estabelecer de um determinado olhar que recorta a natureza. A DESENHO E pintura paisagística romântica, racional, irracional, religiosa, profana, realista, surrealista, emocional, objectiva, subjectiva, consciente, inconsciente, impressionista ou expressionista tem toda um mesmo resultado, construir a natureza de novo. Captura, compreende a natureza como uma peça fabricada que é colocada perante a natureza.
D. — Uma espécie de colonização da natureza?
J. — Sim — o meu olhar não tem nada a ver com isso. Com o meu olhar não quero compreender nada, organizar nada, dispor de nada, catalogar nada. Eu não vejo uma árvore. Árvore é uma palavra. Eu vejo o movimento das folhas, vejo a relação de tamanho com uma pedra, a sombra. Procuro sempre deixar a relação com as palavras, para entrar directamente em relação com as coisas. Não quero dar um nome a nada, enumerar nada. Só me interessam as relações, o peso entre as coisas. Posso utilizar os mesmos gestos, as mesmas cores para uma árvore ou para uma sombra, o claro-escuro pode tornar-se árvore-escuro processo em que ambos têm carácter de objecto (Objektcharakter).
D. — Significa isso que tu em determinada medida te submetes à natureza? Em qualquer caso, a tua atitude parece nada ter a ver com o processo de criação à semelhança de Deus na tradição de Durer, com o seu poder auto consciente em relação à natureza?
J. — Essa conceptualização é diametralmente oposta à minha. A natureza não é para ser conceptualizada. Ela foge a cada momento. Não está lá para nós, não se desenvolve perante os nossos olhos. Não olho para a natureza como confirmação da minha capacidade de percepção mas sim como a presença de uma diferença, perante a qual as minhas capacidades capitulam. Não tenho de construir a natureza, tenho de me construir quando me encontro com a natureza. A minha própria construção é pedida – a natureza está contruída, é incompreensível para as minhas faculdades, às quais a sua infindável alteridade escapa. Tenho de me construir para reconhecer a alteridade da natureza, para não querer hieraquizá-la. Completamente em oposição ao demiurgo Durer, eu vejo na natureza um imenso campo de possibilidades de me por em causa, de me construir de novo e, a partir daí, viver de novo o outro como outro e reconstruir a minha relação com os meus semelhantes.
João Queiroz nasceu em Lisboa em 1957 cidade onde vive e trabalha. Tem vindo a dedicar-se em exclusivo à DESENHO E pintura e ao desenho paisagístico. Formado em Filosofia, professor de DESENHO E pintura e desenho, João Queiroz tem um conhecimento de história de arte, e em particular da DESENHO E pintura, que é fundamental para o exercício e o domínio de um vasto leque de conceitos e técnicas que utiliza no seu trabalho. Duas questões, em particular, percorrem a sua obra: como é que organizamos, na percepção da realidade, a multiplicidade dos estímulos sensoriais? O que percepcionamos é realmente o que vemos ou o que sabemos da realidade?
Exposições Colectivas (Selecção)
1986: Auto-Retratos, Galeria Monumental, Lisboa.
Novas Tendências do Desenho, S.N.B.A.,Lisboa
1987: Desenho, Galeria Monumental,Lisboa.
1990: Sete Pecados Capitais, S.N.B.A.,Lisboa.
EIAM, Exposição Ibéricade Arte Contemporânea Portuguesa, Cáceres, Espanha.
L´art Contemporain au Portugal, Rabat, Casablanca,
Marrocos.
1997: Bildloses Abbild, Arte Contemporânea Portuguesa, Berna,
Alemanha.
1998: Imagem sem Imagens, Arte Contemporânea,
Évora.
Ein Lechturn ist ein trauriger und glucklicher Ort, Berlim,
Alemanha.
1999: Paisagens no Singular, exposição itinerante.
Simpósio Internacional de Arte, Feital, Portugal.
Exposições Individuais (Selecção)
1987: Monumental, Lisboa.
1988: Monumental,Lisboa.Art Jonction Internacional, Nice, França.
1989: Monumental-Bertrand, Lisboa.
1991:Palmiro Suso, Lisboa.
1994: Porta 33, Funchal, Madeira.
1995:Reflexos feitos pelo pescoço de um pato meio afogado, Boqueirão da Praia da Galé,
Lisboa.
1996: Assírio & Alvim, Lisboa.
1998: Galeria Paula Fampa, Braga.
1999: Módulo, Porto.
O Ecrãn no Peito, Atelier Museu Municipal António Duarte, Caldas da Rainha.
2000: Porta 33, Funchal, Ilha da Madeira