“Eskultura com K” trata sobre o mito da escultura no contexto nacional, trata ainda, sobre a estética particular da arte e do poder. Partindo de uma crítica de José-Augusto França sobre a “idade de ouro da escultura portuguesa” (António Ferro), proponho três intervenções para o museu Henrique e Francisco Franco, tendo como única intenção explorar o anedótico e certeiro título dado por França sobre a natureza das manifestações da escultura pública no contexto do Estado Novo (...).

Duarte Encarnação

É com particular acutilância que a intervenção de Duarte Encarnação propõe uma muito necessária reflexão sobre o modo como nos debatemos, enquanto sociedade, com os ícones da história recente, sobretudo, como é o caso português, quando esse passado representou formas de opressão tendencialmente branqueadas na história recente da nossa democracia. Não poderia o autor, na altura em que apresentou este trabalho, imaginar a convulsão atualmente vivida em torno das representações de personagens mais ou menos dúbios por este mundo fora. Já tínhamos assistido ao derrube das estátuas nos antigos regimes comunistas, à polémica em torno do putativo Museu Salazar em Santa Comba Dão, mas não imaginávamos, aquando da inauguração da exposição em Setembro de 2019, que 2020 ficasse marcado por um movimento transversal ao Ocidente de repúdio e eventual derrube de estátuas de personagens com papéis polémicos na História.
No Museu Henrique e Francisco Franco exibe-se, na sua coleção permanente, um busto de Salazar da autoria de Francisco Franco. Não querendo aqui ajuizar sobre a pertinência ou não desta decisão que compete aos técnicos do Museu aferir, importa, isso sim, perceber que esta é uma questão que merece debate público. Nesse sentido, Duarte Encarnação tocou no cerne da ferida: ao evocar formalmente distintas estéticas na estatuária de regimes totalitários e ao replicar o “ocultamento” de uma estátua do Salazar no Palácio Foz que um grupo de artistas levou a cabo no pós-25 de Abril, define um território interrogativo que pretende não só olhar para o passado, como pensar o presente: o projeto poderá ser também, uma chamada de atenção sobre a Eskultura pública contemporânea na Madeira, que manifesta uma prática de nulidade experimental e caracteriza-se pelo atrincheirar incapaz de continuar as premissas de uma escultura no campo expandido (...).*

Miguel Von Hafe Pérez