A COMPOSIÇÃO DO AR
[DA ARTE COMO TRANSMISSÃO]

Nuno Faria

 


"É de crer que logo no início da sua presença na Terra os primeiros homens tivessem percebido que viviam mergulhados num meio (o ar) que lhes era indispensável à vida. Na sua mente ainda confusa, mas já desperta, reconheceriam o prazer de assomar ao buraco da caverna que lhes servia de habitação protectora, e de aspirar profundamente o ar circundante. Qualquer coisa lhes penetrava pela boca e pelas narinas, coisa agradável, reconfortante, e que, segundo lhes deveria parecer, tornava a sair pelas mesmas entradas, esvaziando-lhes a caixa torácica. Reconheceriam também que os mortos já não praticavam essa função (não respiravam) e que certamente ela estava associada a toda a actividade do homem, pois bastaria tapar-lhe a boca e apertar-lhe as narinas demoradamente para que a morte se apoderasse dele.
Não admira que durante milénios o ar, que ninguém vê, fosse imaginado como um ser sobrenatural que penetrava no corpo dos homens e lhes concedia a vida. Um deus, portanto. Assim, foi considerado o ar como um deus muito temido, umas vezes protector, quando se deixava aspirar em haustos reconfortantes, outras vezes terrível, quando bramia, soprava, assobiava, fazia estremecer as robustas árvores e as arrancava do solo, tombando-as. Um deus que merecia toda a veneração e respeito."
(Rómulo de Carvalho, A Composição do Ar, Cadernos de Iniciação Científica, Livraria Sá da Costa, 1981, p. 3.)

Descobrir o desconhecido não é uma especialidade de Sindbad, de Erik, o Vermelho, ou de Copérnico. Não há um só homem que não seja um descobridor. Começa por descobrir o amargo, o salgado, o côncavo, o liso, o áspero, as sete cores do arco-íris e as vinte e tal letras do alfabeto; passa pelos rostos, os mapas, os animais e os astros; conclui pela dúvida ou pela fé e pela certeza quase total da sua própria ignorância.
(Jorge Luís Borges, Atlas, prólogo)

Imaginei um texto em espiral que me imaginasse a mim a imaginar o meu próprio atlas de imagens. Para constituir uma história das imagens, a nossa própria história, é preciso olhar para dentro. Um trabalho de memória. Ela não nos é dada exteriormente. Curiosamente ou não, as primeiras imagens que me ocorreram foram as fotografias do Atlas de Jorge Luís Borges. Nelas, o poeta e viajante aparece sempre, mais como viajante do que como poeta, pensar-se-ia, mas na realidade, para nós, como poeta, claro. Naquelas imagens só vemos ar. Vemos o que Borges vê, ou, melhor dito, vemos Borges a ver. Percebemos, podemos imaginar que temos essa capacidade perante as imagens (em particular e em geral), que Borges vê mais do que nós, está entre o vidente e o visionário. Não porque tenha qualidades extra-sensoriais, mas porque viveu intensamente as coisas, indagou, escavou, imaginou, construiu um território de tal forma imenso, à escala um para um com o Mundo, que é impensável sermos ignorantes da realidade de que o mundo é pensável da mesma forma, antes e depois de atravessarmos esse amplo território da escrita.
Mas, voltando às imagens. Sim, nelas só vemos ar, vento por vezes. Sob aquela camada impalpável, insondável, inefável da imagem sentimos o que sente aquele rosto, aquele corpo. Borges faz-nos ver, fez-nos ver mais, muito, intensamente. Tudo isto em imaginação, em ficção, mas tudo isto nos devolve uma realidade mais real que a própria realidade, isto é, aquilo que pensávamos ser a realidade até nos encontrarmos com Borges. As imagens têm uma temperatura. No Egipto, num dia de sol intenso, às portas do deserto e com as pirâmides em fundo, são quentes; na Suíça, num escuro dia de inverno, à beira do Lago Genebra, são geladas. Têm uma atmosfera, encerram um segredo para quem as olha e as quer perceber: são habitadas por uma visão interior. São sempre do avesso. No Atlas (de Borges), belo e terrível nome para um último livro, é-nos revelado esse segredo da imagem: é preciso ver para dentro e ver por dentro para se aceder a essa ínfima camada de visibilidade. Porque o visível não é para aqui chamado.
Imaginar no sentido da capacidade de produzir imagens, para nos podermos entender sobre a modulação desta rêverie. Em L'air et les songes", Gaston Bachelard preconiza uma imagem literária formulada, decantada de qualquer sentido corrente, transitório, funcional. Para Bachelard, todo e qualquer universo novo pressupõe uma nova linguagem. Por isso mesmo, a imagem não reproduz uma coerência ou uma estrutura pré-existente, "mas é o sentido em estado nascente (...) uma emergência da imaginação". Bachelard evoca o som da palavra escrita, essa "natura audiens, e remete para o ar, o meio de transmissão.
A palavra, então, é o meridiano deste atlas de imagens, o meio de transmissão, veículo e movimento num só, um abismo que convencionámos não aprofundar por conduzir a um lugar sem retorno, o caminho para a visão integral, para a clarividência - o impronunciável. Voltemos a Borges, íntimo do abismo, do labirinto, dos arcanos, ecos, reverberações e ricochetes do pensamento próprio das palavras:
A uns trezentos ou quatrocentos metros da Pirâmide inclinei-me, peguei num punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um pouco mais longe e disse em voz baixa: "Estou a modificar o Sara". O facto era ínfimo, mas as não engenhosas palavras eram exactas e pensei que tinha sido necessária toda a minha vida para que eu pudesse dizê-las. A memória desse momento é uma das mais significativas da minha estada no Egipto. (Jorge Luís Borges, Atlas, Deserto, p. 466).

[EMERGÊNCIA]
Emergência, acto de emergir; aparecimento; nascimento; (fig.) acontecimento inesperado; incidente.
“A emergência é uma das mais sagradas e mais amplamente difundidas crenças entre os nativos da América do Norte de hoje (...). Na sua estrutura, a lenda da emergência do povo vindo debaixo do chão, subindo geralmente por um caniço ou uma árvore, imita a emergência do solo do milho e outras plantas cultivadas pelas tribos horticultoras do Sudoeste. O povo que sobe dessas profundezas em busca do sol e da chuva é como o milho crescendo através do solo.
Mas a emergência está também aparentada com o processo pelo qual todos os mamíferos, incluindo os humanos, nascem para este mundo, emergindo da escuridão do ventre das mães para a vastidão da terra aberta.
(...) Deste modo, a experiência individual do nascimento é relacionada com a emergência colectiva da vida de debaixo do chão. Similarmente, a morte dos homens, para os povos orais, é não somente um acontecimento pessoal, mas também uma transformação para reentrar na terra, um processo pelo qual a sensibilidade individual se abre para fora indo do campo de sensações envolvente e mais-que-humano.” (David Abram, A Magia do Sensível, pp. 224-225.)

Relembro-me aqui de um momento marcante da minha biografia: uma alocução sobre desenho na Porta 33, não conseguiria dizer exactamente quando, para a qual reuni um extenso conjunto de imagens, entre as quais uma de um pequeno desenho de Jean-Pierre Bertrand, que havia descoberto em Paris, numa exposição comissariada por Philippe-Alain Michaud, dividida entre o Museu do Louvre e o Centro Georges Pompidou.
Tratou-se de um momento relevante para mim pois situava-se num lugar, numa casa, onde anos antes me encontrara pela primeira vez com um conjunto de pessoas que viriam a marcar a minha forma de ver e de conceber o desenho, enquanto ferramenta, mais ética que estética, que nos faz forjar a nossa própria existência, em diálogo com o mundo e em relação com os outros.
Esse desenho tão particular é o registo de um sonho que Bertrand descreve também por palavras, num relato em que se misturam a descrição do fazer do desenho, do labor onírico [visão e visões] e a interpretação do desenho, como se desenhador e narrador não fossem a mesma pessoa, como se desenhássemos apesar de e para além de nós próprios, como se desenhar fosse um acto ritualístico, performativo, xamânico, propiciatório, em que nos vemos a fazer, em que nos descobrimos. O desenho de J.P.Bertrand faz, materialmente, vir à luz "uma presença muito antiga", a de uma múmia que sonha o próprio sonhador [desenhador]. Luís de Camões, pela voz de Herberto Helder, havia dito a mesma coisa de outra maneira: "transforma-se o amador na cousa amada". Mas voltemos a Bertrand, numa rara incursão pela auto-análise do acto de desenhar: "Queria mostrar o interior do que vemos. Pensei então nas múmias. Sonhei com uma múmia que me sonhava a mim. Uma múmia, não será um corpo que reemerge, que impressiona as ligaduras, uma matéria?".

[FAYOUM - FUNDAÇÃO]
Permaneçamos então no Egipto para evocar esse momento em que, estranhamente, duas culturas da imagem se fundiram em união clandestina para formar imagens (objectos) pensadas, destinadas, à escuridão. No Fayoum, há vinte mil anos, os Romanos retratavam os mortos ainda em vida, sobre pequenas tábuas pintadas a encáustica, encontradas, em admirável estado de conservação, depositadas em túmulos de patrícios, de soldados, de cortesãs, frequentemente enquanto rostos para as múmias. Veio a chamar-se a essas imagens, retratos do Fayoum. São os mais antigos retratos que subsistem. Peculiar é a iluminação do rosto (rosto que na maioria dos retratos encontrados tem tamanho natural). Não parece provir de de uma vela ou de um facho a luz que fixaram, antes de uma imagem retroprojectada, invertida. Têm, talvez, algo de espelho. Se bem que frontais, não se oferecem ao face-a-face. Eram imagens pintadas para não mais serem vistas, pintadas para a escuridão.
Fundação é a palavra que ocorre ao espírito. O que é a arqueologia, em suma, e para que nos serve escavar em busca de vestígios? Que mecanismos accionam os objectos que são dados à escuridão e que tipo de operação os reactiva? Que tipo de visão propõem? Que tipo de conhecimento se estabelece no contacto com estes objectos a partir quer da experiência sensível, quer do conhecimento que trazemos já em nós, quer da projecção no espaço de existência para que foram concebidos? Como se reactiva o passado no presente?
“A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o momento em que esta se destacou do horizonte anónimo. Não quer reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela não é nem psicologia, nem sociologia, nem, num sentido mais geral, antropologia da criação. A obra não é para ela um recorte pertinente, mesmo se se tratasse de recolocá-la no seu contexto global ou na rede das causalidades que a sustentam. Ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais, às vezes comandam-nas inteiramente e dominam-nas sem que nada lhes escape; mas às vezes, também, só lhes regem uma parte. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser de uma obra e princípio de sua unidade, é-lhe estranha.
Finalmente, a arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde autor e obra trocam de identidade; onde o pensamento permanece ainda mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Por outras palavras, não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o na sua própria identidade. Não pretende apagar-se na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, na sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita: isto é, na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objecto.” (Michel Foucault, "A Arqueologia do Saber")
A arqueologia é um saber transversal a todo o conhecimento do homem sobre o humano, porque não só procura a profundidade, esse espaço em negativo que define aquilo que não se vê, como o faz sem qualquer estado de alma. Gestos que escrutinam gestos, um conhecimento pelo tacto, material, onde a distância é vertiginosamente abolida. Fazer vir uma presença, inventar a possibilidade de pensar esse espaço negativo em que não há palavras, nem corpo, nem imagem, somente a inteira e jubilosa solidão do ser sem tristeza nem alegria. Somos múmias a que foi negado o rosto, seres sem visão interior, almas penadas em busca de redenção. Perdemos o contacto com os antepassados, não vemos o futuro porque perdemos a noção do passado.

[MEMÓRIA - HISTÓRIA]
Em 2008, visito Kolumba, o recém inaugurado museu da Arquidiocese da Cidade de Colónia, construído sobre as ruínas da antiga igreja de Santa Colomba, quase integralmente destruída durante um bombardeamento da força aérea dos Aliados, durante a Segunda Grande Guerra. As cicatrizes do edifício, deixadas visíveis no projecto de Peter Zumthor, fazem-me voltar ao meu atlas de imagens aéreas e procurar as que se referem à cidade de Colónia, bombardeada no crepúsculo da guerra. Entre escombros, pontes destruídas, ergue-se, qual rochedo informe, nas imediações do Reno, a Catedral, que se manteve de pé apesar de ter sido atingida por quatorze vezes. A sua preservação foi, à época, unanimemente considerada pelos habitantes de Colónia como a prova de que Deus existe. De facto, em nenhuma outra cidade como em Colónia, senti a densidade do tempo e as camadas da memória, como uma cidade-cristal, em que os estratos, as faces, as marcas do tempo que passa e que subsiste, a destruição e a regeneração, nos são acessíveis em densa transparência.
Em Kolumba, mais do que uma viagem no tempo é fecunda a possibilidade que se abre de articular dois tempos verbais numa mesma frase. Falamos de linguagem. De fundação. E de transmissão. Marcou-me sobretudo, no meio de tanta beleza e dor, entre tanta perplexidade, uma peça de Paul Thek, uma mesa em suspensão, um caixão, outra múmia.
Alguns meses depois, em 2009, a notícia de que o Arquivo Histórico da Cidade de Colónia ruíra e com a sua queda documentos (alguns fundadores da própria cultura alemã e europeia) que se perderam para sempre. Procuro imagens na internet. Descubro que Colónia tem um arquivo desde o século XI. Equipas de arqueólogos trabalham sobre os escombros desta surreal ruína contemporânea. Para que servem os arquivos, afinal? E o que é a memória senão uma frágil membrana, um tímpano poroso, uma ligadura impressa pelo corpo de uma múmia?

[MONUMENTO - DOCUMENTO]
Il Grande Cretto, a intervenção de Alberto Burri em Gibellina Vecchia, na Sicília central, uma pequena aldeia completamente devastada pelo terramoto que, em 1968, assolou a Ilha do Mediterrâneo. Em dissonância com os muitos artistas que evocaram a aldeia destruída através das obras oferecidas a Gibellina Nuova, edificada a alguns quilómetros de distância, Burri interveio, à escala do lugar, no próprio sítio onde se deu o acontecimento, propondo cobrir a aldeia de um manto de betão branco, refazendo os cheios e os vazios de casas e ruas em ruína. Esta intervenção de land art, que tomou vinte anos para ser concluída, é a mais cristalina e poderosa concretização que conheço daquilo a que poderíamos chamar, em aparente paradoxo, de monumento contemporâneo.
"A drawing as a vision of the future can be a very strong tool; drawings are mainly composed by simple fragile lines and dots, elements that could awake giant interests in a person about perception and fantasy. I haven't found any other medium more effective when it comes to define the complexity of our minds and visions than a drawing. Last year I have made a drawing exercise that changed my perception of what the functionality of a drawing could be especially in the context of history. I decided to make technical drawings of historical buildings; this is the way I found to go back in time and to try to start again from "the" or "a" beginning. While doing this exercise I understood that drawings are not onlyconnected with the beginning of things but alsi with the future of those things , to be more precise here I would say that a drawing is the point where past and future negotiate the present. A drawing is a moment of doubt and at the same time a defining moment. (Diango Hernández in interview with Patrizia Dander, in: Home. A guided tour through Diango Hernández's studio and a closer view to his background and way of working, New York, Alexander and Bonin Publishing, Inc., p. 24).

[OPACIDADE - TRANSPARÊNCIA]
D(u)as imagens.
Ilha da Madeira, 2010. Diango e eu temos uma visita marcada ao espaço da Porta 33 para a preparação de um projecto apenas alguns dias após o trágico aluvião que provocou cheias de dimensão inusitada causando imensa devastação naquela ilha do Atlântico. A chegada ao território madeirense constituiu uma forte impressão, com praticamente tudo em suspensão, em pausa, uma imensa ruína que para nós, espectadores involuntários, funcionou como a metáfora para o isolamento e a sedimentação de tempos distintos - o anacronismo.
A rara imagem que, a preto e branco e em ligeiro plano picado, traz até nós a instalação da sala de pintura e escultura que a arquitecta Lina Bo Bardi concebeu, nos anos 60, para o Museu de Arte de São Paulo: uma paisagem de fantasmas que passaram pelas malhas da história, um trabalho de transparência, uma concepção do tempo em espiral, um gesto político límpido. A arte é para todos, porque só a procura da liberdade realiza a individualidade.

[POSFÁCIO EM FORMA DE ECO]
Representar o ar, ou seja, representar aquilo que não se vê, é, talvez desde tempos de que já não nos lembramos, uma das aspirações da prática artística. O ar é matéria e meio. É matéria (vital) sem estrutura, sopro sem corpo. É um meio: transporta coisas, engendra ideias, faz-se respirar. A tentação do ar é também uma aspiração ao voo, uma fuga ao peso, a superação da gravidade. Subir acima do horizonte para ver mais e melhor.
Se pensarmos bem, o ar é aquilo que nos liga - na mais integral aceção da palavra ligação - aos corpos, às coisas, aos objetos em geral. À ínfima camada de ar, impalpável e imperscrutável, que envolve um objeto, de arte ou não, chamamos aura. Trata-se de uma qualidade inexplicável que algumas coisas transportam e que as transforma em objetos de desejo, em coisas amadas e contempladas. Os objetos atravessam o tempo e cruzam fronteiras para estabelecerem encontros cujo sentido é mais ou menos evidente, mais ou menos visível.
Porquê fazer, recolher e guardar objetos? Entre as muitas respostas plausíveis e possíveis, para além do mistério que engendra o gesto artístico ou o simples acto criador, poderíamos dizer que fazemos, recolhemos e guardamos para preservar e projetar a memória, ou seja, para sobreviver ao desaparecimento. Tanto ou mais misterioso é saber qual o íntimo, o profundo significado de mostrar, de dar a ver. Não seria demasiado arriscado afirmar que mostramos para fundar um lugar, para nos constituirmos enquanto comunidade que partilha aspirações e temores, medos e desejos que estão para lá da nossa própria compreensão. Exumamos, escavamos, fazemos, construímos mais para compreender do que para explicar, mais para perguntar do que para afirmar. O espaço entre os objetos, as pausas para inspirar, mostrar o ar.[imagens que se fazem por transferência, a partir de um ponto cego, sem o auxílio da visão]. A narrativa da arte é uma história nocturna, anacrónica e afásica, em paralaxe com o tempo cronológico, em antecipação e projecção, uma constelação de ecos.
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"assim, sob a enérgica estrutura deste céu nocturno,
atraídos pela candura das sementes que voam,
em todas as direcções,
fomos levados a abordar o misterioso firmamento da mente e a terrestre profundidade do coração do homem,
cujos insondáveis desígnios incorporam os desenhos dos seus actos
tornando manifesta a dimensão intacta e comum que diariamente sustenta e acolhe uns e outros."
(Manuel Zimbro, História Secreta da Aviação, notas com gravidade para pôr em órbita uma aspiração comum, Porta 33, Ilha da Madeira, 1997, p. 34)

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